Fikções, opinadelas e cenas que tais: janeiro 2010

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Moon


Logo de rajada, a frio, não me refreio de dizer que aqui está um papel que deveria levar pelo menos uma nomeação para o Óscar de melhor actor e com grandes probabilidades de ganhar. Tá dito, mais que merecido. Sam Rockwell como Sam Bell trata o papel - ou papéis! - por tu, duplicando-o, e em paralelo dominando-os como se dois actores ou personalidades distintas se tratassem. Note-se o facto de ele ser o único actor "presente" de principio ao fim do filme. Sublime. Vou mais longe e diria que merecia não só uma nomeação para Óscar de melhor actor principal como também outra para secundário, sem dificuldade, o que seria engraçado e inédito, acho.

Mas não levou. Suponho que seja a imbecilidade sempre presente nos prémios máximos de Hollywood, há sempre meia dúzia de injustiças que não lembra a ninguém. Já desconfiava quando levou o mesmo tratamento nos globos de ouro, mas mantinha alguma esperança, às vezes faz-se luz. Não levou, enfim, fica a delicia da personagem para os anéis da história do cinema.

Nota positiva também para a voz de GERTY, o computador de apoio a Sam Bell, distintamente tratada pelo singular Kevin Spacey.



Moon é um bom filme realizado numa toada de ficção cientifica clássica, sem compromissos, mas bastante profundo e a tratar um assunto de natureza humana muito sério e actual, a certa altura claustrofóbico mas concluindo numa redenção interessante. Em minha opinião imperdível.


Realizador: Duncan Jones.
História: Duncan Jones.
Argumento: Nathan Parker.

9.

Holmes, Sherlock Holmes


Confesso que antes de o ver mantinha algum receio neste filme, por Guy Ritchie e pelo clássico Holmes, o de sempre. Despachando logo a última questão diria que se perdeu algo do Holmes clássico, no entanto o conteúdo continua a ser muito próprio da personagem, sem dúvida, metódico e observador como só ele consegue ser e na outra ponta, pessoal, privada, um boémio e uma desgraça, um desarranjo. Confere. Nem poderia ser de outra maneira, no entanto destoa fundamentalmente na dinâmica por vezes quase extrema que Ritchie lhe incute, um Holmes e também um Watson mais físicos que nunca antes se tinha visto, de certa maneira angustiante e para alguns, imagino, imperdoável. Mas atente-se, não é banalizado, nas mãos de Guy Ritchie ganhou-se todo um mundo rico e cheio de possibilidades, este Holmes é um conceito em muitas maneiras novo e criativo. Quanto ao toque muito particular no formato de filme de Ritchie sou sincero e repasso que não o estava a ver enveredar por algo tão vertical e formatado por inúmeras versões mais sisudas, mas eis que consegue gravar as suas impressões digitais por toda a personagem e filme, engraçado, funciona. Mestre, diria. Muito deste resultado é da responsabilidade de Robert Downey Jr. que tomando Sherlock pelas rédeas eclipsa o formato rígido clássico em várias maneiras e o faz esquecer, magnifica interpretação.

Nota positiva também para Jude Law como Dr. Watson, perfeito, a vincar ainda mais a eterna dupla inseparável; para Rachel McAdams como Irene Adler e Mark Strong como Lord Blackwood, muito bons; para os cenários, magníficos, principalmente para a Londres industrial excelentemente retratada.

Bom filme, delicioso a espaços, algo "Marvelisado" mas bom. Não acredito que Sir Conan Doyle dê cambalhotas no caixão, bem pelo contrário. Esperemos pelo regresso, Moriarty deixou
comichão.


Realizador: Guy Ritchie.
Argumento: Michael Robert Johnson; Anthony Peckman; Simon Kinberg.
História: Lionel Wigram; Michael Robert Johnson.

8.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

The Hurt Locker


E pergunto-me: que mal fiz eu? Hã? Que fiz?! Que não consigo ver no The Hurt Locker o filme excepcional que pintam?! Escapou-se-me algo?

Esperem! É um bom filme, boa fotografia, argumento satisfatório, reconheço que a ideia ou mensagem de fundo a passar é boa mas sinceramente, em minha opinião está demasiado fragmentado para atingir o ponto central a que se propõe e alcançar assim a excelência que falam aos quatro ventos. Invariávelmente bombardeia-nos com boas sequências de óptima tensão visual/psicológica, fluida, algumas excelentes, mas a cada vez que o faz trava logo a seguir ou dilui-se de alguma maneira, no ritmo e nas personagens. Estranho. As palavras chave são mesmo essas, fragmentado e diluído, na sua cadeia argumental. "A guerra é um vicio", lê-se no inicio, mas no fim acaba por se fazer algum esforço para entender esta questão claramente.

De resto sobressai o bom desempenho de Jeremy Renner no papel principal como William James, um membro integrante de uma unidade EOD (Explosive Ordnance Disposal) do exército americano. Apesar de me parecer por vezes algo forçado demais na actuação o desempenho é bastante bom.



Realizadora: Kathryn Biggelow (K-19: The Widowmaker, Mission Zero...)
Argumento de Mark Boal

7.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

The Road


Baseado na obra literária de Cormac McCarthy com o mesmo nome, é realizado por John Hillcoat a partir de uma adaptação de Joe Penhall.

Filme ficcional pós-apocalíptico, The Road é desbobinado encarando alguns medos humanos enterrados, pondo-os a descoberto, mesmo que isso signifique uma reacção negativa por parte do mais sensível. Tensão angustiante sempre presente, contém no seu invólucro uma mensagem muito forte, a ser decifrada por quem quiser parar para a decifrar. Pessoalmente enalteço sempre as obras que tentam acenar este tipo de avisos.

Leva-nos numa viagem acompanhando um pai e seu filho menor, nomes incógnitos, seguindo-os na sua luta pela sobrevivência, percorrendo um mundo completamente obliterado. A origem deste caos é desconhecida e, sublinhe-se, é irrelevante para o enredo, mas as consequências desse holocausto tornaram o mundo estéril, frio, sem sol, a comida escasseia ou simplesmente não existe. O Homem morre aos poucos, já em pequeno número e sem opção opta pela prática canibalesca resguardando-se em pequenos grupos, sem qualquer réstia de humanidade, qualquer vulto na próxima sombra pode significar o pior dos pesadelos.

É nesta cruel realidade que o pai envereda numa epopeia dando tudo o que tem e não tem para salvar o filho e de alguma maneira garantir o seu futuro, sua única razão de continuar, existir. Viajam para sul, tentado fugir ao frio cada vez mais rigoroso e às lembranças passadas, inclusive às memórias da mãe que, a dada altura e em desespero desistira de tudo, desaparecendo na noite gelada. É posto à prova os limites da resistência humana física e mental, beliscando a demência. Não há futuro, não há razão, mas num reflexo incondicional, numa força maior, o amor do pai pelo filho empurra-o sempre estrada fora.

É um filme bastante pesado, muito sério e ao mesmo tempo simplista, obscurecendo o espectador com uma nuvem de desespero omnipresente. Expõe vários fantasmas escondidos, crús, dando uns socos directos no estômago do espectador. Imputa-nos subtilmente dúvidas a nós próprios, dilema atrás de dilema.

Viggo Mortensen como pai supera-se uma vez mais numa actuação irrepreensível. Nota mais também para as pontuais actuações de Robert Duvall (velho ocasional), Charlize Theron (mãe) e também Guy Pearce . A película é um óptimo exemplo da possibilidade de uma produção com recursos mínimos, basicamente com 2 ou 3 excelentes actores, uns quilos de sucata espalhados em background e um bom argumento. Excelente, uma boa surpresa, não aconselhável as fracos de espírito mas ao mesmo tempo diria ser obrigatório ver.

9.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Generation Kill


Desconhecia esta mini-série de 2008 baseada num livro com o mesmo nome, de Evan Wright. Wright escreveu Generation Kill focando na experiência que ele próprio teve no Iraque acompanhando o 1º batalhão de reconhecimento dos Marines americanos e dá o mesmo o seu nome ao repórter da Rolling Stone da história. De resto, ele participa na adaptação da versão para televisão ajudando os criadores David Simon e Ed Burns (The Wire). Após alguma indagação constatei que a série levava uma pontuação acima do normal e fiquei intrigado. Já é norma a HBO pontualmente nos presentear com obras de arte neste formato (Band of Brothers, o hino delas todas) mas na realidade o tema deste GK não era dos que mais me atraía nesta fase, por uma ou outra razão.

No entanto, acabado de ver o último episódio reverti completamente a minha opinião, a série está muito boa e traduz de uma maneira bastante diferente a abordagem americana vista por dentro na invasão do Iraque em 2003. Na sua essência a mini-série rega-nos com rajadas de choque e dúvidas, umas atrás das outras, num ritmo bem pensado e sem pressas, até que no fim da linha leva-nos a um beco sem saída, sem razão, confrangedor no mínimo. Assume-se que guerra é guerra, brutal, com um objectivo definido para os seus intervenientes seja ele qual for e com ou sem razão de acontecer, mas o que está em causa aqui não é bem essa questão de base apesar dela estar sempre bem presente.

No seio de um dos batalhões de marines de reconhecimento mais bem treinados e moralizadas caem uma multitude de dúvidas e conflitos internos pessoais ou de grupo, humanos antes de tudo. Apesar de estarem ávidos por entrar em acção como máquinas de combate moldadas especialmente para isso, estes marines são lambidos consecutivamente pelo inesperado, pelo confuso e incompreensível formato de guerra moderna e fundamentalmente pelos abanões frustrantes e desumanos originados por pura incompetência de comando, o qual põe o showoff antes de tudo. No inicio são contemplados com um repórter da Rolling Stone, Evan Wright, que os vai acompanhar na sua caminha até Bagdad, registando a sua viagem em background tomando as suas notas, constatando todas as demonstrações de ódio e músculo forjados, plásticos, mas que ao mesmo tempo e a passos largos são varridos em qualquer um dos intervenientes e os põe na corda bamba, sem qualquer rede de segurança.

Com produção, elenco, diálogos e actuações acima da média, mesmo muito bom. A mensagem, ou mensagens, são bem passadas.

9.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Battle Angel

Manga. Anime. Antes de qualquer divagação sobre o assunto que vou focar convém passar a ideia que normalmente não costumo seguir este panorama vindo de terras orientais, e porquê? Não por aversão, muito pelo contrário, simplesmente porque é demasiada a informação a absorver com muita mas mesmo muita palha à mistura e é pouco o tempo disponível para o fazer, dai que regra geral voar sobre este turbilhão criativo asiático é a maior parte das vezes uma perda de tempo útil, um dilema, enfim. No entanto não descuro e quando lembra ao diabo deito um olho aqui e ali para descobrir eventualmente por entre um mar de imbecilidades, senilidades e paranóias q.b. brutais pérolas de arte pura e dura, únicas, tanto a nível gráfico como a nível criativo. Não facilitem também amigos, acreditem, na minha opinião é quase obrigatório não o fazer, caso contrário caem na potencial asneira de passarem ao lado de coisas como esta que aqui me vou referir, regalos à vista que metem num bolso pequeno a grande maioria do que se faz por estes lados e mais a ocidente, não é à toa que de lá surgem assiduamente das melhores obras de culto feitas, pesos pesados como Appleseed, Akira, Ninja Scroll, Ghost in the Shell, Steamboy, Wonderfull Days, etc... etc... etc... e já para não falar de "TUDO" o que nos é atirado pelo meu criador de animação favorito, Hayao Miyazaki, são todos eles fenómenos que ficam para os anéis da história dos comics e animação, manga e anime.

É neste estado das coisas que um destes dias dei comigo a ser atropelado por um tesouro algures escondido - pelo menos de mim - de seu nome Battle Angel Alita, conhecido no Japão por Gunnm - literalmente Dream - série manga de um tal Yukito Kishiro. Desconhecia, apesar da coisa já ter uma vintena de anos, 1º volume de 1990. Encontrei este manga por mero acaso quando reparei que estaria nos planos de James Cameron a sua produção para o grande ecrã num futuro próximo (2011?), fiquei curioso e após um breve folhear das primeiras páginas do 1º volume dou comigo a ler o mesmo até ao fim, que maravilha, que potencial, um background fabuloso com uma fluidez de história excelente e com os seguintes volumes sempre a subir de tom, gráfica e criativamente. Battle Angel desdobra-se em 9 volumes bem recheados, cada um com bastante sumo. Descubro entretanto que dois deste volumes são extrapolados respectivamente para dois animes, óptimo! Dois OVA que dada a qualidade do manga mereciam uma dissecação pois caso fossem produzidos com a mesma qualidade seria ouro sobre azul... errado! São horríveis e não fazem jus minimamente à obra, evitem a todo o custo! Para terem ideia do interesse, adormeci sensivelmente a meio. Super resumido, histórias e caracteres misturados, deturpações, sem um mínimo de qualidade, a meu ver uma aberração! Digo mais, se visse estas duas animações antes dos mangas tinha metido logo tudo a um canto, como é possível fazerem tal obscenidade de um clássico destes!? Enfim, japonesismos para vender... como dito anteriormente, têm tanto do melhor como do mais horrível.

Vá, esqueçam o anime e voltemos ao manga que neste caso é a única coisa que interessa... meus amigos somos confrontados com um clássico sem dúvida, uma delicia: estamos algures num futuro muito distante, de inicio é irrelevante qualquer tipo de referência de localização, numa enorme cidade chamada Scrapyard que não passa de um enorme deposito de sucata e lixo de outra cidade suspensa uns bons quilómetros acima da primeira: Tiphares.


Scrapyard é uma cidade de despojos, varrida pela miséria, onde a única lei é a do mais forte e a do que melhor se adapta à sua violência sem dó nem piedade, tudo se aproveita, tudo se negoceia ou é arrebatado à força entre seus habitantes que por sua vez se resumem a uma amalgama sem fim de desgraçados, quase todos tendo algo de cibernético implantado forçosamente devido a mutilações anteriores. Opostamente a este cenário de desgraça Tiphares é um local mítico onde os habitantes de Scrapyard estão terminantemente proibidos a lá se deslocarem e apenas podem imaginar como será ou constatar que a mesma se serve de Scrapyard para seu abastecimento. Para além de servir de sua lixeira tem enormes fábricas que a cidade flutuante, através de enormes condutas ligadas directamente à mesma. O manga começa após uma curta descrição gráfica sobre esta realidade e foca-se entretanto em alguém que se desloca lentamente por entre o entulho sem fim, analisando o chão caótico de tudo o que é lixo e recolhendo partes de equipamento de alguma maneira úteis. É Ido, um cybermédico de cyborgs. Ido anda mais uns metros e surpreende-se com uma cabeça feminina de cyborg que jaz perdida, uma peça de tecnologia antiga, muito antiga. Levado pela curiosidade e excitação do raro achado leva-a para o seu laboratório e apressa-se a tentar recuperá-la, talvez mesmo efectuar a sua reconstrução pois seu cérebro parece estar intacto. Quando lhe dá vida constata que a cyborg perdeu toda a memória que tinha e dá-lhe o nome de Alita, sua gata que falecera pouco tempo antes. Já recuperada, Alita descobre eventualmente por instinto que domina uma arte marcial cyborg lendária e altamente letal chamada Panzer Kunst. O resto leiam, vejam, devorem... é sempre a subir.

Para quem gosta do género e não conhecia (como eu infelizmente), brutal, visceral, imperdível.