Fikções, opinadelas e cenas que tais: novembro 2011

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

CGD. Um pilar de moral, um exemplo e um ombro amigo...

Enquanto o maralhal se vai entretendo com coisas tais como sentir orgulho pelos estupidamente milionários jogadores da bola da selecção nacional ou com programas de TV altamente sócio-educativos eis que vão acontecendo destes verdadeiros atentados à saúde mental de quem tenta ser honesto, vão acontecendo e vão passando como areia que foge entre os dedos, subrepticiamente, imparáveis e sistematicamente, incólumes à desgraça e ao respeito, ao simples respeito pela dignidade humana. E cada vez mais se vão encontrando pessoas que vão sobrevivendo como ratos, literalmente "coisas" na sarjeta. Se isto não é crime, puro, não sei que mais é. Com esta e com outras... sinto vergonha de ser português. DIVULGUEM!



...batendo as asas pela noite calada...  vêm em bandos, com pés de veludo...» Os Vampiros do Século XXI:

A Caixa Geral de Depósitos (CGD) está a enviar aos seus clientes mais modestos uma circular que deveria fazer  corar de vergonha os administradores – principescamente pagos - daquela instituição bancária.
A carta da CGD começa, como mandam as boas regras de marketing, por reafirmar o empenho do Banco em oferecer aos seus clientes as melhores  ondições de preço qualidade em toda a gama de prestação de serviços, incluindo no que respeita a despesas de manutenção nas contas à ordem.

As palavras de circunstância não chegam sequer a suscitar qualquer tipo de ilusões, dado que após novo parágrafo sobre  acionalização e eficiência da gestão de contas, o estimado/a cliente é confrontado com a informação de que, para continuar a usufruir da isenção da comissão de despesas de manutenção, terá de ter em cada trimestre um saldo médio superior a EUR1000, ter crédito de vencimento ou ter aplicações financeiras associadas à respectiva conta.

Ora sucede que muitas contas da CGD,designadamente de pensionistas e reformados, são abertas por imposição legal.

É o caso de um reformado por invalidez e quase septuagenário, que sobrevive com uma pensão de EUR243,45 - que para ter direito ao piedoso subsídio diário de EUR 7,57 (sete euros e cinquenta e sete cêntimos!) foi forçado a abrir conta na CGD por determinação expressa da Segurança Social para receber a reforma.

Como se compreende, casos como este - e muitos  são os portugueses que vivem abaixo ou no limiar da pobreza - não podem, de todo, preencher os requisitos impostos pela CGD e tão pouco dar-se ao luxo de pagar despesas de manutenção de uma conta que foram constrangidos a abrir para acolher a sua miséria.

O mais escandaloso é que seja justamente uma  instituição bancária que ano após ano apresenta lucros fabulosos e que aposenta os seus administradores, mesmo quando efémeros, com «obscenas» pensões (para citar Bagão Félix), a vir exigir a quem mal consegue sobreviver que contribua para engordar os seus lautos proventos.

É sem dúvida uma situação ridícula e vergonhosa, como lhe chama o nosso leitor, mas as palavras sabem a pouco quando se trata de denunciar tamanha indignidade.
Esta é a face brutal do capitalismo selvagem que nos servem sob a capa da democracia, em que até a esmola paga taxa. 

Sem respeito pela dignidade humana e sem qualquer resquício de decência, com o único objectivo de acumular mais e mais lucros, eis os administradores de sucesso.
Medita e divulga... Mas divulga mesmo por favor... Cidadania é fazê-lo, é demonstrar esta pouca vergonha que nos atira para a miserabilidade social. 

Este tipo de comentário não aparece nos jornais, tv's e rádios... Porque será???


Eu já fiz a minha parte. Faz a tua.




quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Miguel Esteves Cardoso: "Os Lambe-cus"







Os lambe-cus


"Noto com desagrado que se tem desenvolvido muito em Portugal uma modalidade desportiva que julgara ter caído em desuso depois da revolução de Abril. Situa-se na área da ginástica corporal e envolve complexos exercícios contorcionistas em que cada jogador procura, por todos os meios ao seu alcance, correr e prostrar-se de forma a lamber o cu de um jogador mais poderoso do que ele.


Este cu pode ser o cu de um superior hierárquico, de um ministro, de um agente da polícia ou de um artista. O objectivo do jogo é identificá-los, lambê-los e recolher os respectivos prémios. Os prémios podem ser em dinheiro, em promoção profissional ou em permuta. À medida que vai lambendo os cus, vai ascendendo ou descendendo na hierarquia.


Antes do 25 de Abril esta modalidade era mais rudimentar. Era praticada por amadores, muitos em idade escolar, e conhecida prosaicamente como «engraxanço».


Os chefes de repartição engraxavam os chefes de serviço, os alunos engraxavam os professores, os jornalistas engraxavam os ministros, as donas de casa engraxavam os médicos da caixa, etc. ..


Mesmo assim, eram raros os portugueses com feitio para passar graxa. Havia poucos engraxadores. Diga-se porém, em abono da verdade, que os poucos que havia engraxavam imenso. Nesse tempo, «engraxar» era uma actividade socialmente menosprezada.


O menino que engraxasse a professora tinha de enfrentar depois o escárnio da turma. O colunista que tecesse um grande elogio ao Presidente do Conselho era ostracizado pelos colegas. Ninguém gostava de um engraxador.


Hoje tudo isso mudou. O engraxanço evoluiu ao ponto de tornar-se irreconhecível. Foi-se subindo na escala de subserviência, dos sapatos até ao cu.


O engraxador foi promovido a lambe-botas e o lambe-botas a lambe-cu.
Não é preciso realçar a diferença, em termos de subordinação hierárquica e flexibilidade de movimentos, entre engraxar uns sapatos e lamber um cu.


Para fazer face à crescente popularidade do desporto, importaram-se dos Estados Unidos, campeão do mundo na modalidade, as regras e os estatutos da American Federation of Ass-licking and Brown-nosing. Os praticantes portugueses puderam assim esquecer os tempos amadores do engraxanço e aperfeiçoarem-se no desenvolvimento profissional do Culambismo.


(...) Tudo isto teria graça se os culambistas portugueses fossem tão mal tratados e sucedidos como os engraxadores de outrora. O pior é que a nossa sociedade não só aceita o culambismo como forma prática de subir na vida, como começa a exigi-lo como habilitação profissional.


O culambismo compensa. Sobreviver sem um mínimo de conhecimentos de culambismo é hoje tão difícil como vencer na vida sem saber falar inglês."


Miguel Esteves Cardoso, in "Último Volume"

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Guerra epistolar numa Europa povoada de fantasmas

Claro que há coisas que se podem sempre debater, discutir e contestar, mas há outras que são tão verdadeiras como a verdade o pode ser. Este grito do Daniel Oliveira é acima de tudo um abre olhos. Abramos então, está na hora.



por Daniel Oliveira in Expresso (www.expresso.pt)
8:00 Quarta feira, 9 de novembro de 2011


Estas cartas já são de 2010, mas só agora chegaram à blogosfera nacional e continuam, claro, atuais.
Um alemão resolveu escrever uma carta aberta aos gregos. Não a um grego em particular, não ao atual ou ao anterior primeiro-ministro grego. Mas a todos os gregos. Num momento em que o povo grego já vivia o desemprego e a tragédia social, Walter Wuelleenweber decidiu, sem fugir a nenhum dos preconceitos e ideias feitas sobre a realidade social da Grécia, dar-lhes um puxão de orelhas na revista "Stern":
"Caros gregos,
Desde 1981 pertencemos à mesma família. Nós, os alemães, contribuímos como ninguém mais para um Fundo comum, com mais de 200 mil milhões de euros, enquanto a Grécia recebeu cerca de 100 mil milhões dessa verba, ou seja a maior parcela per capita de qualquer outro povo da U.E.
Nunca nenhum povo até agora ajudou tanto outro povo e durante tanto tempo.
Vocês são, sinceramente, os amigos mais caros que nós temos. O caso é que não só se enganam a vocês mesmos, como nos enganam a nós.
No essencial, vocês nunca mostraram ser merecedores do nosso Euro. Desde a sua incorporação como moeda da Grécia, nunca conseguiram, até agora, cumprir os critérios de estabilidade. Dentro da U.E., são o povo que mais gasta em bens de consumo.
Vocês descobriram a democracia, por isso devem saber que se governa através da vontade do povo, que é, no fundo, quem tem a responsabilidade. Não digam, por isso, que só os políticos têm a responsabilidade do desastre. Ninguém vos obrigou a durante anos fugir aos impostos, a opor-se a qualquer política coerente para reduzir os gastos públicos e ninguém vos obrigou a eleger os governantes que têm tido e têm.
Os gregos são quem nos mostrou o caminho da Democracia, da Filosofia e dos primeiros conhecimentos da Economia Nacional.
Mas, agora, mostram-nos um caminho errado. E chegaram onde chegaram, não vão mais adiante!!!
Walter Wuelleenweber"
Uma semana depois, Georgios Psomás, funcionário público grego, respondeu, na mesma revista. Não aos alemães, que, tal como os gregos, são diferentes uns dos outros, mas a Walter Wuelleenweber:
"Caro Walter,
Chamo-me Georgios Psomás. Sou funcionário público e não "empregado público" como, depreciativamente, como insulto, se referem a nós os meus compatriotas e os teus compatriotas.
O meu salário é de 1.000 euros. Por mês, hem!... não vás pensar que por dia, como te querem fazer crer no teu País. Repara que ganho um número que nem sequer é inferior em 1.000 euros ao teu, que é de vários milhares.
Desde 1981, tens razão, estamos na mesma família. Só que nós vos concedemos, em exclusividade, um montão de privilégios, como serem os principais fornecedores do povo grego de tecnologia, armas, infraestruturas (duas autoestradas e dois aeroportos internacionais), telecomunicações, produtos de consumo, automóveis, etc.. Se me esqueço de alguma coisa, desculpa. Chamo-te a atenção para o facto de sermos, dentro da U.E., os maiores importadores de produtos de consumo que são fabricados nas fábricas alemãs.
A verdade é que não responsabilizamos apenas os nossos políticos pelo desastre da Grécia. Para ele contribuíram muito algumas grandes empresas alemãs, as que pagaram enormes "comissões" aos nossos políticos para terem contratos, para nos venderem de tudo, e uns quantos submarinos fora de uso, que postos no mar, continuam tombados de costas para o ar.
Sei que ainda não dás crédito ao que te escrevo. Tem paciência, espera, lê toda a carta, e se não conseguir convencer-te, autorizo-te a que me expulses da Eurozona, esse lugar de verdade, de prosperidade, da justiça e do correto.
Estimado Walter,
Passou mais de meio século desde que a 2ª Guerra Mundial terminou. Quer dizer mais de 50 anos desde a época em que a Alemanha deveria ter saldado as suas obrigações para com a Grécia.
Estas dívidas, que só a Alemanha até agora resiste a saldar com a Grécia (Bulgária e Roménia cumpriram, ao pagar as indemnizações estipuladas), e que consistem em:
1. Uma dívida de 80 milhões de marcos alemães por indemnizações, que ficou por pagar da 1ª Guerra Mundial;
2. Dívidas por diferenças de clearing, no período entre-guerras, que ascendem hoje a 593.873.000 dólares EUA.
3. Os empréstimos em obrigações que contraíu o III Reich em nome da Grécia, na ocupação alemã, que ascendem a 3,5 mil milhões de dólares durante todo o período de ocupação.
4. As reparações que deve a Alemanha à Grécia, pelas confiscações, perseguições, execuções e destruições de povoados inteiros, estradas, pontes, linhas férreas, portos, produto do III Reich, e que, segundo o determinado pelos tribunais aliados, ascende a 7,1 mil milhões de dólares, dos quais a Grécia não viu sequer uma nota.
5. As imensuráveis reparações da Alemanha pela morte de 1.125.960 gregos (38,960 executados, 12 mil mortos como dano colateral, 70 mil mortos em combate, 105 mil mortos em campos de concentração na Alemanha, 600 mil mortos de fome, etc., et.).
6. A tremenda e imensurável ofensa moral provocada ao povo grego e aos ideais humanísticos da cultura grega.
Amigo Walter, sei que não te deve agradar nada o que escrevo. Lamento-o.
Mas mais me magoa o que a Alemanha quer fazer comigo e com os meus compatriotas.
Amigo Walter: na Grécia laboram 130 empresas alemãs, entre as quais se incluem todos os colossos da indústria do teu País, as que têm lucros anuais de 6,5 mil milhões de euros. Muito em breve, se as coisas continuarem assim, não poderei comprar mais produtos alemães porque cada vez tenho menos dinheiro. Eu e os meus compatriotas crescemos sempre com privações, vamos aguentar, não tenhas problema. Podemos viver sem BMW, sem Mercedes, sem Opel, sem Skoda. Deixaremos de comprar produtos do Lidl, do Praktiker, da IKEA.
Mas vocês, Walter, como se vão arranjar com os desempregados que esta situação criará, que por ai os vai obrigar a baixar o seu nível de vida, Perder os seus carros de luxo, as suas férias no estrangeiro, as suas excursões sexuais à Tailândia? Vocês (alemães, suecos, holandeses, e restantes "compatriotas" da Eurozona) pretendem que saíamos da Europa, da Eurozona e não sei mais de onde.
Creio firmemente que devemos fazê-lo, para nos salvarmos de uma União que é um bando de especuladores financeiros, uma equipa em que jogamos se consumirmos os produtos que vocês oferecem: empréstimos, bens industriais, bens de consumo, obras faraónicas, etc.
E, finalmente, Walter, devemos "acertar" um outro ponto importante, já que vocês também disso são devedores da Grécia:
Exigimos que nos devolvam a civilização que nor roubaram!!!
Queremos de volta à Grécia as imortais obras dos nossos antepassados, que estão guardadas nos museus de Berlim, de Munique, de Paris, de Roma e de Londres.
E exijo que seja agora!! Já que posso morrer de fome, quero morrer ao lado das obras dos meus antepassados.
Cordialmente,
Georgios Psomás"
Mais do que tentar explicar como há, apesar de todos os mitos que de repente se espalharam sobre a Grécia (não se percebe como, com tantos privilégios, os europeus não emigraram todos para aquele El Dourado), um abismo entre a qualidade de vida de um alemão e do grego, é interessante, nesta resposta, a explicação simples do funcionamento do mercado europeu: a Alemanha (primeiro país a violar, sem qualquer consequência, as regras da zona euro) teima em não perceber de onde vem o seu enriquecimento.
Mas grande parte da carta dedica-se a assuntos pendentes por resolver. Lembra que a Europa é feita de dívidas por pagar, ressentimentos, guerras, genocídios, crimes, impérios e civilizações desfeitas, pilhagens. Que os cinquenta anos de paz se conquistaram com mais do que perdão. Com a memória bem viva e lições aprendidas. Com o Estado Social, medo do caos e sentido de solidariedade (a que ajudou a Alemanha a reconstruir-se e a reunificar-se). E que os caminhos para os quais o diretório europeu nos leva estão cheios de armadilhas muito perigosas. A Europa não começou no dia em que Angela Merkel acordou para a política. Este continente é uma casa assombrada, cheia de fantasmas à espera do seu momento para despertar.
A tradução a partir do espanhol destas cartas foi de Sérgio Ribeiro (http://anonimosecxxi.blogspot.com/2011/11/quem-deve-o-que-quem.html?spref=fb )