Fikções, opinadelas e cenas que tais

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Carta aberta ao Silva, um tal de Cavaco

Recebi esta missiva por e-mail, uma carta aberta de um Sr. José Nogueira Pardal, idoso de 74 anos, não o conheço mas identifico-me com o seu monólogo e tenho a certeza que não passará disso, infeliz e oficialmente não irá passar de um mero monólogo, é que coluna vertebral hoje em dia é coisa em vias de extinção, resta-nos difundir coisas destas pelas vias digitais e deixar a democracia eventualmente fazer o resto. O homem exalta o que lhe vai na alma e o que lhe lavra os nervos, muito do que diz vai em contra ao que a maior parte de nós já concluiu, vale sem dúvida 2 minutos de leitura e distribuição viral por esse país fora.



2012/02/01

Exmo Senhor Presidente da República

Lisboa

Vou usar um meio hoje praticamente em desuso mas que, quanto a mim, é a forma mais correcta de o questionar, porque a avaliar pelas conversas que vou ouvindo por aqui e por ali, muitos portugueses gostariam de ver esclarecidas as dúvidas que vou colocar a V/Exa e é por tal razão que uso a forma "carta aberta", carta que espero algum dos jornais a que a vou enviar com pedido de publicação dê à estampa, desejando que a resposta de V/Exa fosse também pública.
Tenho 74 nos, sou reformado, daqueles que descontou durante 41 anos, embora tenha trabalhado durante 48, para poder ter uma reforma e que, porque as pernas já me não permitem longas caminhadas e o dinheiro para os transportes e os espectáculos a que gostaria de assistir não abunda, passo uma parte do meu dia a ler, sei quantos cantos há nos Lusíadas, conheço Camilo, Eça, Ferreira de Castro, Aquilino, Florbela, Natália, Sofia e mais uns quantos de que penso V/Exa já terá ouvido falar e a "navegar na net".
São precisamente as "modernices" com que tenho bastante dificuldade em lidar que motivam esta minha tomada de posição porquanto é aí que circulam a respeito de V/Exa afirmações que desprestigiam a figura máxima do País Portugal, que, em minha opinião, não pode estar sujeita a tais insinuações que espero V/Exa desminta categoricamente.
Passemos à frente das insinuações de que V/Exa foi 1º Ministro de Portugal durante mais de dez anos, época em que V/Exa vendeu as nossa pescas, a nossa agricultura, a nossa indústria a troco dos milhões da CEE, milhões que, ao contrário do que seria desejável, não serviram para qualquer modernização ou reforma do nosso País mas sim para encher os bolsos de alguns, curiosamente seus correlegionários senão mesmos seus amigos. Acredito que esse tempo que vivemos sob o comando de V/Exa e que tanto mal nos fez foi apenas fruto de incompetência o que, sendo lamentável, não é crime, os crimes foram praticados por aqueles que se encheram à custa do regabofe, perdoe-me o popularismo, que se viveu nessa época e que, curiosamente, ou talvez não, continuam sem prestar contas à justiça.
Entremos então no que mais me choca, porque nesses outros comentários,
a maioria dos quais anónimos mas alguns assinados, é a honestidade de V/Exa que é posta em causa e eu não quero que o Presidente da República do meu país seja o indivíduo que alguns propalam pois que entendo que o cargo só pode ser ocupado por alguém em quem os portugueses se revejam como símbolo de coerência e honestidade, é assim que penso que nesta carta presto um favor a V/Exa, pois que respondendo às questões que vou colocar, findarão de vez as maledicências que, quero acreditar, são os escritos que por aí circulam.




1ª Questão:
Circula por aí um "escrito" que afirma que V/Exa, professor da Universidade Nova de Lisboa, após ser ministro das finanças, foi convidado para professor da Universidade Católica, cargo que aceitou sem se ter desvinculado da Nova o que motivou que lhe fosse movido um processo disciplinar por faltar injustificadamente às aulas da Nova, processo esse conducente ao despedimento com justa causa, que se teria perdido no gabinete do então ministro da educação, a quem competiria o despacho final, João de Deus Pinheiro, seu amigo e beneficiado depois de V/Exa ascender a 1º Ministro com o lugar de comissário europeu, lugar que desempenhou tão eficazmente que o levou a ficar conhecido como "comissário do golfe".


Pergunta directa:
Foi ou não movido a V/Exa um processo disciplinar enquanto professor da Universidade Nova de Lisboa?
Se a resposta for afirmativa, qual o resultado desse processo?
Se a resposta for negativa é evidente que todas as informações que andam por aí a circular carecem de fundamento.



2ª Questão:
Circulam por aí vários escritos sobre a regularidade da transacção de acções do BPN que V/Exa adquiriu.
Sendo certo que as referidas acções não estavam cotadas em bolsa e portanto só poderiam ser transaccionadas por contactos directos, vulgo boca a boca, faço sobre a matéria várias perguntas:


1ª - Quem aconselhou a V/Exa tal investimento?


2 ª- A quem adquiriu V/Exa as referidas acções?


3ª- Em que data, de que forma e a quem vendeu V/Exa as acções?


4ª- Sendo V/Exa um renomado economista não estranhou um lucro de 140% numa aplicação de tão curto prazo?



3ª Questão
Tendo em atenção o que por aí circula sobre a Casa da Coelha, limito-me a fazer perguntas:


1ª- É ou não verdade que o negócio entre a casa de Albufeira e a casa da Coelha foi feito como permuta de imóveis do mesmo valor para evitar pagamento de impostos?


2ª- Se já foi saldada ao estado a diferença de impostos com que atraso em relação à escritura se processou a referida regularização?


3ª- É ou não verdade que as alterações nas obras feitas na casa da Coelha, nomeadamente a alteração das áreas de construção foram feitas sem conhecimento da autarquia?


4ª- A ser positiva a resposta à pergunta anterior se já foi sanado o problema resultante de obras feitas à revelia da autarquia, em que data foi feita tal regularização e se foi feita antes ou depois das obras estarem concluídas?


5ª- Última pergunta, esta de mera curiosidade, será que V/Exa já se lembra do cartório em que foi feita a escritura?



4ª- Questão
Esta não circula na Net, é uma questão que eu próprio lhe coloco:
Ouvi V/Exa na TV dizer que tinha uma reforma de 1300 €, que quase lhe não chegava para as despesas, passando fugazmente pela reforma do Banco de Portugal. Assim pergunto:


1ª- Quantas reformas tem V/Exa?


2ª- De que entidades e a que anos de serviços são devidas essas reformas?


3ª- Em quantas não recebe 13º e 14º mês?


4ª- Abdicou V/Exa do ordenado de PR por iniciativa própria ou por imposição legal?


5ª Recebe ou não V/Exa alguns milhares de euros como "despesas de representação"?



Fico a aguardar a resposta de V/Exa com o desejo de que a mesma seja de tal forma conclusiva e que, se V/Exa o achar conveniente, venha acompanhada de cópias de documentos, que provem a todos os portugueses que o que por aí circula na Net, não passam de calúnias e intrigas movidas contra a impoluta figura de Sua Exa o Senhor Presidente da República de Portugal.



A terminar e depois de recordar mais uma das suas afirmações na TV, lembro uma frase do meu avô, há muito falecido, alentejano, analfabeto e vertical: " NÃO HÁ HOMENS MUITO OU POUCO SÉRIOS, HÁ HOMENS SÉRIOS E OUTRAS COISAS QUE PARECEM HOMENS". Por mim, com a idade que tenho já não preciso, nem quero nascer outra vez, basta-me morrer como tenho vivido, sério.



Com os meus melhores cumprimentos.



José Nogueira Pardal

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Mia Couto. Um dia, isto tinha de acontecer.




Existe uma geração à rasca? 

Existe mais do que uma! Certamente! 

Está à rasca a geração dos pais que educaram os seus meninos numa abastança caprichosa, protegendo-os de dificuldades e escondendo-lhes as agruras da vida. 

Está à rasca a geração dos filhos que nunca foram ensinados a lidar com frustrações. 

A ironia de tudo isto é que os jovens que agora se dizem (e também estão) à rasca são os que mais tiveram tudo. Nunca nenhuma geração foi, como esta, tão privilegiada na sua infância e na sua adolescência. E nunca a sociedade exigiu tão pouco aos seus jovens como lhes tem sido exigido nos últimos anos.

Deslumbradas com a melhoria significativa das condições de vida, a minha geração e as seguintes (actualmente entre os 30 e os 50 anos) vingaram-se das dificuldades em que foram criadas, no antes ou no pós 1974, e quiseram dar aos seus filhos o melhor.

Ansiosos por sublimar as suas próprias frustrações, os pais investiram nos seus descendentes: proporcionaram-lhes os estudos que fazem deles a geração mais qualificada de sempre (já lá vamos...), mas também lhes deram uma vida desafogada, mimos e mordomias, entradas nos locais de diversão, cartas de condução e 1.º automóvel, depósitos de combustível cheios, dinheiro no bolso para que nada lhes faltasse. Mesmo quando as expectativas de primeiro emprego saíram goradas, a família continuou presente, a garantir aos filhos cama, mesa e roupa lavada.

Durante anos, acreditaram estes pais e estas mães estar a fazer o melhor; o dinheiro ia chegando para comprar (quase) tudo, quantas vezes em substituição de princípios e de uma educação para a qual não havia tempo, já que ele era todo para o trabalho, garante do ordenado com que se compra (quase) tudo. E éramos (quase) todos felizes.

Depois, veio a crise, o aumento do custo de vida, o desemprego, ... A vaquinha emagreceu, feneceu, secou.

Foi então que os pais ficaram à rasca.

Os pais à rasca não vão a um concerto, mas os seus rebentos enchem Pavilhões Atlânticos e festivais de música e bares e discotecas onde não se entra à borla nem se consome fiado.

Os pais à rasca deixaram de ir ao restaurante, para poderem continuar a pagar restaurante aos filhos, num país onde uma festa de aniversário de adolescente que se preza é no restaurante e vedada a pais.

São pais que contam os cêntimos para pagar à rasca as contas da água e da luz e do resto, e que abdicam dos seus pequenos prazeres para que os filhos não prescindam da internet de banda larga a alta velocidade, nem dos qualquercoisaphones ou pads, sempre de última geração.

São estes pais mesmo à rasca, que já não aguentam, que começam a ter de dizer "não". É um "não" que nunca ensinaram os filhos a ouvir, e que por isso eles não suportam, nem compreendem, porque eles têm direitos, porque eles têm necessidades, porque eles têm expectativas, porque lhes disseram que eles são muito bons e eles querem, e querem, querem o que já ninguém lhes pode dar!

A sociedade colhe assim hoje os frutos do que semeou durante pelo menos duas décadas.

Eis agora uma geração de pais impotentes e frustrados.

Eis agora uma geração jovem altamente qualificada, que andou muito por escolas e universidades mas que estudou pouco e que aprendeu e sabe na proporção do que estudou. Uma geração que colecciona diplomas com que o país lhes alimenta o ego insuflado, mas que são uma ilusão, pois correspondem a pouco conhecimento teórico e a duvidosa capacidade operacional.

Eis uma geração que vai a toda a parte, mas que não sabe estar em sítio nenhum. Uma geração que tem acesso a informação sem que isso signifique que é informada; uma geração dotada de trôpegas competências de leitura e interpretação da realidade em que se insere.

Eis uma geração habituada a comunicar por abreviaturas e frustrada por não poder abreviar do mesmo modo o caminho para o sucesso. Uma geração que deseja saltar as etapas da ascensão social à mesma velocidade que queimou etapas de crescimento. Uma geração que distingue mal a diferença entre emprego e trabalho, ambicionando mais aquele do que este, num tempo em que nem um nem outro abundam.

Eis uma geração que, de repente, se apercebeu que não manda no mundo como mandou nos pais e que agora quer ditar regras à sociedade como as foi ditando à escola, alarvemente e sem maneiras.

Eis uma geração tão habituada ao muito e ao supérfluo que o pouco não lhe chega e o acessório se lhe tornou indispensável.

Eis uma geração consumista, insaciável e completamente desorientada.
Eis uma geração preparadinha para ser arrastada, para servir de montada a quem é exímio na arte de cavalgar demagogicamente sobre o desespero alheio.

Há talento e cultura e capacidade e competência e solidariedade e inteligência nesta geração?

Claro que há. Conheço uns bons e valentes punhados de exemplos!

Os jovens que detêm estas capacidades-características não encaixam no retrato colectivo, pouco se identificam com os seus contemporâneos, e nem são esses que se queixam assim (embora estejam à rasca, como todos nós).
Chego a ter a impressão de que, se alguns jovens mais inflamados pudessem, atirariam ao tapete os seus contemporâneos que trabalham bem, os que são empreendedores, os que conseguem bons resultados académicos, porque, que inveja! que chatice!, são betinhos, cromos que só estorvam os outros (como se viu no último Prós e Contras) e, oh, injustiça!, já estão a ser capazes de abarbatar bons ordenados e a subir na vida.

E nós, os mais velhos, estaremos em vias de ser caçados à entrada dos nossos locais de trabalho, para deixarmos livres os invejados lugares a que alguns acham ter direito e que pelos vistos - e a acreditar no que ultimamente ouvimos de algumas almas - ocupamos injusta, imerecida e indevidamente?!!!

Novos e velhos, todos estamos à rasca.

Apesar do tom desta minha prosa, o que eu tenho mesmo é pena destes jovens.

Tudo o que atrás escrevi serve apenas para demonstrar a minha firme convicção de que a culpa não é deles.

A culpa de tudo isto é nossa, que não soubemos formar nem educar, nem fazer melhor, mas é uma culpa que morre solteira, porque é de todos, e a sociedade não consegue, não quer, não pode assumi-la. Curiosamente, não é desta culpa maior que os jovens agora nos acusam.

Haverá mais triste prova do nosso falhanço?



sábado, 7 de janeiro de 2012

Ciclo de conferências sobre o tema "Emigração no sec XXI”


Serão oradores os melhores especialistas da actualidade. 
Promoção: PM&Cia
Acesso gratuito.


quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Tortura contemporânea.

Texto anónimo, gostaria de conhecer a douta autora :):

"Então lá decidi eu, por livre e espontânea pressão das minhas amigas, render-me à depilação radical.
Disseram que eu me ia sentir mais magra dez quilos, mas não me parece que os pêlos púbicos pesem assim tanto! Pelo menos os meus não pesam com certeza….
Disseram que o meu namorado ia adorar e que, depois de experimentar, eu não ia querer outra coisa….

Eu imaginava que fosse doer, porque elas avisaram-me disso. Mas não esperava que por trás disso e quando digo “por trás” é por trás mesmo…havia uma espécie de indústria porno-ginecológica-estética!!!!!!!

- Olá, queria marcar depilação com a Sónia, por favor.
- É para depilar o quê?
- As virilhas.
- Normal ou cavada?
…Silêncio... Eu lá sabia o que era uma virilha cavada. Mas já que era pra fazer, bora lá!
- Cavada. Respondi.
- Amanhã, às... deixe ver...13h. Pode ser?
– Ok. Fica marcado.

O dia em que eu ía perder os tais dez quilos chegou depressa. Confesso que até acordei animada.

Almocei qualquer coisa leve, just in case….sabia lá o que me esperava…

Escolhi umas cuequinhas apresentáveis. E lá fui eu.

Assim que cheguei, a Sónia já estava à minha espera. Uma rapariga alta, esbelta, unhas impecáveis, uniforme claro, giraça.
“Cool”…pensei eu, “Vou ficar como ela”.

Muito simpática, com tom de voz muito meiguinho, pediu que eu a seguisse até o local onde o ritual seria realizado.

Saímos da recepção com o cheirinho relaxante do incenso, passamos por um corredor largo pintado com um verde suave, muito Feng Shui e, por fim, lá chegamos ao nosso cantinho: um cubículo imaculadamente limpo, uma musiquinha Zeeeen, uma maca e do outro lado, uma mesinha com vários potes eléctricos com a cera previamente derretida… ali…de sorriso sarcástico à minha espera.

- Pode deitar-se, por favor.
Despi as calças e, timidamente, fiquei ali… toda esticada em cuecas… na maca branca.

A Sónia mal olhou para mim. Profissionalíssima, concentrada no seu trabalho, virou-se de costas e ficou de frente para a tal mesinha, onde estavam os aparelhos de tortura.

Para além da cera, vi coisas estranhas: uma máquina de cortar cabelo aos tropas, várias pinças, tesourinhas... Meu Deus!!!! Em que é que eu me fui meter?!

De repente, ela veio com uma tirinha de papel celofane na mão. Fingi que sabia perfeitamente o que ela ia fazer com aquilo. Mas, claro que não sabia! Fiquei surpresa quando ela passou a tirinha pelas laterais das cuecas e a amarrou com força. O efeito é do género "cuecas fio dental à frente"…. Tudo exposto.

- Quer muito cavada?
- Sim... quero...

A Sónia deixou então as cuecas a tapar uma fina faixa da Beringela, nome carinhoso pelo qual trato o meu órgão… tinha-me esquecido de fazer a apresentação prévia.

- Os seus pelitos estão muito altos. Vou ter que cortar um bocado, senão vai doer-lhe mais.
- Ah, sim. Claro.

Qual “Claro”, qual carapuça! Não entendia porra nenhuma do que ela estava a fazer. Mas confiei na profissional da coisa.

De repente, ela regressa da tal mesinha de tortura com uma espátula besuntada com um líquido cor-de-rosa, viscoso e quente…
- Pode abrir as pernas.
- Assim?
– Não, querida. Tipo borboleta, percebe? Dobre os joelhos e depois coloque cada perna para o lado.

- Arreganhada, é isso que quer dizer, não é?
Ela riu-se e anuiu. Que situação!!!!!!

E então lá começou a saga!

Passou a primeira camada de cera quente nas minhas virilhas virgens (de depilação, claro está).
Muito quentinho, até agradável…. Até ao momento de ela puxar!

Foi rápido e fatal! Achei que tinha saído a pele toda, que só tinham ficado os ossos na maca. Não tive sequer coragem de olhar! Achei que estava a sangrar por todo o lado....

Até procurei a minha carteira com os olhos, cogitando já a possibilidade de ter que ligar para o cretcheu pra me vir buscar. Se calhar não ia poder conduzir a seguir, pensei.

Pensava isto tudo enquanto tentava concentrar-me na minha expressão facial de «tá tudo controlado» …. Para fingir que, para mim, era tudo super natural, tão a ver?

A Sónia perguntou se estava tudo bem quando notou que eu estava meia roxa e suada. Eu tinha-me esquecido de respirar. Tinha medo que se respirasse ainda doesse mais.
- Tudo óptimo. E consigo?
Ela riu-se novamente como quem pensa "que gaja mais estranha!". Mas deve ter aprendido a ser simpática para manter as clientes.

O processo medieval continuou.

A cada puxanço eu tinha vontade de a espancar e de a tratar do piorio!

Lembrava-me das minhas amigas a recomendar a depilação e imaginava que era tudo um grande complot, só pra me fazer sofrer. Todas recomendam a todos porque não querem sofrer sozinhas, é o que é!
- Quer que tire dos lábios?
- Não, eu quero só as virilhas, o buço não, obrigada.
- Não, querida, os lábios de baixo… aqui ó.
Não, não, pára tudo!

Depilar os tais grandes lábios? Fónix, que ideia!…. Mas concordei. Já que me deitei na maca, agora lixo-me, ponto final.

- Ok. Vamos lá. Arranque lá isso.

É então que ela passa a cera bem lá no meio (no meio, mesmo!) … espera que seque um bocadinho e….PUXA! Não doeu tanto como de lado, mas já mais à vontade, desabafei: “Desta vez saíram ovários e tudo, porra!….”

Não bastasse o meu estado e posição, a esteticista do lado invade o nosso quartinho e dá uma olhadela na minha beringela.
- Tá a ficar fantástica! Como que a incentivar-me.
- Mas tá cheia de pêlos encravados aqui. Ora espreita….
Se tivesse sobrado algum pelinho ali, ele teria balançado com a respiração das duas. Estavam ali, mesmo coladinhas. Que situação!

Fechei os olhos e pedi para que fosse um pesadelo. "Meu Deus, tira-me daqui, teletransporta-me, pleeeeease!".

Só desci à terra quando, entre uns blábláblás, ouvi a palavra “pinça”.
- Vou usar aqui a pinça porque ainda ficaram uns pelinhos, ok?
- Ok. Siga. Já que está tudo dormente e está… já não sinto nada….
Estava enganada!!!! Senti cada beliscadela daquela pinça filha da mãe a arrancar pelinhos resistentes na pele já dolorida. E quis matá-la. Mas mal sabia que o motivo para isso ainda estava para vir.
- Vamos ficar de lado agora?
- ahn?
- Deitar de lado, pra fazer a parte cavada.
Pior não podia ficar. Obedeci. Deitei-me de lado e fiquei à espera de novas ordens.
- Segure o seu rabiosque por favor.
- ahn?
- Esta nádega aqui de cima, puxe bem pra cima para a afastar da outra….
Tive vontade de chorar. Eu não podia ver o que ela via. Mas ela estava de cara para ele, o olho que nada vê. Quantos tinham visto, à luz do dia, aquela cena? Nem a minha ginecologista. Quis chorar, gritar muito, “bufar” na cara dela, como se a pudesse envenenar, pô-la inconsciente...

Fiquei a imaginar a Sónia a acordar a meio da noite a suar…. Com um pesadelo. O marido perguntaria:
- Tudo bem, Sónia?
– Sim... sonhei outra vez com o cu de uma cliente.
Mas de repente fui novamente trazida para a realidade. Senti o aconchego falso da cera quente besuntando o meu Twin Peaks.

Não sabia se ficava com mais medo do puxanço ou com vergonha da situação. Só sei que ela deve ver mil cus por dia. Aliás, isso até alivia a minha situação. Por que é que ela se lembraria justamente do meu entre tantos?

E foi aí que me veio o pensamento: Espera lá….mas eu tenho pêlos no cu?

Fui impedida de desfiar o rol de perguntas. Ela puxou a cera. Achei que o dito tivesse sido todo arrancado pela raiz.

Num único puxão a Sónia arrancou qualquer coisa que tivesse ali.

Mordia a mão e grunhia ao mesmo tempo. Sons guturais, palavrões, preces, tudo junto.
- Vire-se agora do outro lado.
Porra…. por que é que não arrancou tudo de uma vez?
Virei-me e segurei novamente a nádega.
Piorou bastante. A palerma da salinha do lado apareceu outra vez.
- Sónia, podes emprestar-me algodão?
Apenas uma lágrima solitária escorreu dos meus olhos. Era dor demais, vergonha demais. Pudor demais. (Sim…eu!)

Aquilo não fazia sentido. Estava a depilar-me pra quem? Ninguém me ia ver cu tão de perto. Só mesmo a Sónia. E agora a chata da vizinha inconveniente.
- Terminamos. Pode virar-se, por favor, para eu passar com a máquina?
- Máquina de quê?!
- Tipo de barbear….pra pôr o pêlo baixinho, tipo campo de futebol. Fica giro.
- Dói?

-Não. Não dói nada.
- Ok, passe lá essa merda...
- Tire as cuecas, por favor.
Foram dois segundos de choque extremo.

“Tire as cuecas….”, Como é que alguém pode dizer isso sem preliminares? Estou habituda a que me toquem pelo menos nos mamilos quando me dizem isso.

Mas o choque foi substituído por uma total redenção…. Ela já viu tudo e já, qual é o problema de baixar as cuecas? E essa parte não doeu mesmo nada, até foi agradável.
- Prontinha. Posso pôr pó de talco?
- Pode… siga, põe lá a gaja grisalha
- Tá impek! Pode fazer muito ronrom, agora. O seu namorado vai adorar!
Ronronar…ronronar... Eu estava era com sede de vingança!

Admito que o resultado é bonito, lisinho, sedoso. Mas doeu de caraças e, porra…. expus ali a minha “alma”.

Queria era matar as minhas amigas!

Queria tornar-me feminista, morrer peluda, protestar muito, convocar manifs e acima de tudo, levar a aprovação ao parlamento uma lei anti-depilação cavada.

Saí de lá determinada a comprar o domínio preserve-as-beringelas-peludas.com"